terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

O bazar flutuante


Subo o Amazonas. Deixei Belém há alguns minutos e vejo ao longe a cidade que adormece, reflectindo o sol que se põe no ocidente, por entre as nuvens e a água deste rio que flui incansavelmente para o mar, nem ele sabe bem porquê. Subo esta massa imensa de água numa espécie de bazar onde cheiros e gente se acotovelam, onde todos lutam para conseguir um lugar onde estender a sua rede, aquele que será o seu refúgio durante 3, 5, 8, 10 dias, dependendo do destino onde a vida os leva. Viver neste barco é como viver num qualquer bazar flutuante onde redes, mantas, toalhas e roupas caem dependuradas do tecto, pendendo sobre malas, sacos, caixas e toda a espécie de pertences que se amontoam. Este bazar vivo navega pela noite escondendo nas margens escuras a floresta e suas gentes que a manhã irá revelar. Com o sol desperta o burburinho no bazar que acorda. Os tecidos ganham vida e destes casulos sai gente sem asas mas com sonhos e que fitam o espectáculo que as margens apresentam. Árvores e mais árvores, de longe em longe uma casa, uma aldeia, e os indígenas locais saem de encontro a nós. Uns para fazer adeus, outros para receber comida, outros, quais piratas, abordam o barco para subir e vender comida ou para apenas apanhar boleia rio acima. Cá dentro as gentes correm a ver quem chega, quebrando a monotonia de uma viagem que se repete a cada minuto. O espaço é pouco, as filas para tudo imensas, a paciência e o sorriso são os companheiros necessários e constantes, imprescindíveis nesta jornada épica que para muitos é uma necessidade e para poucos uma aventura que não mais se repetirá. Em comum apenas o sonho, porque subir este rio é e sempre será um sonho.






















Lô e Janderson

Um sorriso sem igual é a imagem mais bonita de toda esta jornada. Minto! Dois sorrisos. Dos meus vizinhos favoritos. Lô e Janderson. Irmãos, primos, amigos, que importa... A idade também não perguntei, não sei se por estupidez ou porque não importa. Receberam-me naquele barco com um sorriso, talvez respondendo ao meu que não vi. A toda a hora lá estavam, com a simplicidade que a sua idade em redor dos 10/12 anos e a sua origem humilde lhes dá. Sorrindo apesar das tantas dificuldades de viagem, de tantos irmão para cuidar. Sorrindo de tudo, vivendo o sonho de mudar de cidade, com toda a excitação da sua muito provável primeira grande viagem. Mesmo que tivesse a tentação de reclamar da falta de conforto, das filas para comer ou para a casa-de-banho, dos cheiros, do calor, dos encontrões que não me deixaram dormir, de tantas coisas, mesmo que essa tentação aparecesse não poderia faze-lo porque o seu sorriso sempre esteve lá, a lembrar-me da relatividade das coisas e de como tudo pode ser uma benção ou um martírio, apenas dependendo de nós, de como vemos as coisas. E os olhos deles tudo vêem como uma descoberta, como uma desculpa para sorrir...
Para onde olhas tu Lô, para onde? Que pensamentos, que ideias, que sonhos e ambições, o que está na tua cabeça enquanto fitas o horizonte? Que futuro terá o teu lindo sorriso daqui a 5, 10, 15 anos? Como será a tua vida, que futuro te reserva este teu país no qual nasceste na "metade" errada, naquela em que as dificuldades são muito maiores que as oportunidades? Mas que importa afinal, com o teu sorriso serás sempre mais feliz que muitos que tudo têm. A viagem terminou para mim e vocês seguiram, mas o vosso sorriso para sempre estará na minha memória, para me lembrar como tudo é mais simples com um sorriso aberto nos lábios, simplesmente um sorriso.

Amazónia, Brasil, Janeiro 2009

1 comentário:

umcertoolhar disse...

k bom seria se aprendessemos a sorrir ainda k o céu esteja cinzento ou a correnteza a desfavor...