domingo, 24 de maio de 2009

Patagonia abaixo



A cabeça treme, encostada ao vidro, enquanto os meus olhos seguem o risco contínuo, recto, esta linha que aponta o caminho infinito para um sul que vejo no horizonte interminável. O amanha aproxima-se igual ao presente, árido, plano, de todas as tonalidades de amarelo e castanho, como se de uma mar se tratasse, um mar calmo que este barco com rodas navega ondulando suavemente. Cortando esta policromia pastelada apenas o céu, de um azul intenso, onde o branco das nuvens esporadicamente aparece, polvilhando o céu de um algodão doce baixinho, ao alcance de um salto, de um sonho de criança. Esta monotonia de uma beleza extensa e baixinha é quebrada aqui e ali por uma elevação, por baixas casas que aparecem timidamente, por um recorte de mar que nos recorda que este onde estamos é fingido. Ao longo do meu caminho paro várias vezes, por dias, semanas, horas, vagarosamente, na preguiça de estar aqui. Conheço Viedma, porta de entrada desta vastidão, e também as Grutas, deserta praia de um verão que já passou. Demoro-me em Puerto Madryn, onde o mar me olha, onde os animais veraneiam, onde conheço os dois últimos pinguins que sobraram de entre os milhares que já rumaram a outras paragens, onde as baleias hão-de chegar em breve. Voo por Comodoro Rivadavia, lugar onde todos os ventos confluem a caminho do fim do mundo, lugar onde irão dar a volta para novamente soprar por ai. A cabeça encostada treme. Vejo o sol baixando, dormindo, desaparecendo preguiçoso, fechando com os seus os meus olhos também. Não sei se quando voltar a abrir os olhos o risco ainda estará ali, recto, infinito. Talvez outro horizonte se apresente. Mas também que importa... O que sei é que o risco segue, mais ou menos torto, e eu sigo com ele.

Algures na Patagónia, RN3, Argentina, Abril 2009