sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Às voltas



Movo muito rápido os pés, numa marcha lenta por entre pés de outra gente que não eu, de burros e mulas, rodas de mota e bicicleta, fugindo de escapes que bafejam as minhas canelas com um ar quente que aquece um ambiente já de si bafiento. Enquanto me movo aleatoreamente por ruas cujo sentido desconheço, desvio-me ainda de gente que me interpela, vendedores muitos, simpáticos estranhos que insistem que sou de Espanha, França, Argentina até, ignorando a minha alma Lusitana que raras vezes revelo. “Closed!” Mais por necessidade que por gosto aprendo a ignorar a informação desnecessária com que me querem atolar, depois de me tentarem convencer pela décima quarta vez que a rua por onde caminho está fechada, logo esta, uma das poucas que já conheço. Paro. Descanso o olhar por escassos instantes num pouco de céu, voltando em seguida ao solo estreito por onde caminho e que num repente se alarga num vão imenso, enorme praça descoberta e hoje, infelizmente, encoberta por um cinzento que me rouba as cores a momentos que quero laranja, como os infindáveis sumos deglutidos pela minha fiel escudeira, ou do azul intenso dos berberes que vendem raras banhas, sugadas talvez a cobras e macacos como os que mais além são encantados ou encantam quem passa pasmado. Paro de novo, pasmado eu mesmo nesta imensidão claustrofóbica que me envolve e me sufoca. Fujo. Corro daqui para fora, muito rápido, num ápice que me leva da imensa confusão à calma pachorrenta do paraíso, pequeno retiro entre plantas de um jardim onde a minha cabeça pouco dormida encontra finalmente um instante em que pode pensar, pensando simplesmente em nada, e onde sem querer encontro também as cores que me escapavam, fugidas todas para este recanto que alguém um dia plantou. Chega. Revigorado corro de volta, agora para o meio da confusão de luzes e fumo e mais gente e sabores estranhos e cabras degoladas que me sorriem cozidas e de mais sumo e de outros novos amigos que insistem em errar a minha proveniência. Paro de novo, no centro da imensidão desta praça, mas agora liberto e sentindo a minha roupa ganhar sabores e não me importando com nada. Sinto que o mundo à minha volta se revolta e dá voltas e isso faz-me sentir a pele envolta em viagem e nesta Marrakesh que rodopia como um louco carrossel preso à lembrança de outros tempos mas embebido em eternidade. E logo corro de novo, por nada, apenas levado pelo gosto de correr sem parar.

Marrakesh, Marrocos, Outubro 2010