sábado, 26 de setembro de 2009

Um último assado

Sigo o nariz que me leva pela casa. Vem de cima o cheiro, subo as escadas. O fumo arrasta os meus pés que quase planam sobre os ladrilhos, fazendo-me voar baixinho de olhos fechados. Paro apenas quando sinto o calor, sabendo que as brasas estão destinadas a carnes outras que não as minhas. Abro os olhos e vejo entre a bruma não um qualquer Rei Dom Sebastião mas apenas e só mais um festim carnal desses que são tão comuns aqui. Na incerteza se são duas ou três as vacas despejadas sobre a grelha e as brasas, apenas reconforto mais este amigo que trata de cozinhar dando-lhe um sorriso meu de aprovação. Sento-me. Fecho os olhos de novo, sinto-me recuar os quase quatro meses que passaram desde que entrei neste país chamado Argentina. Sinto de novo a admiração do início, mais por obra da natureza feita de água que partilha com o seu irmão Brasil que pela primeira impressão da terra. Lembro depois a cidade capital onde me perdi pelas ruas para me encontrar num tango. Tango esse cantado mais tarde e entre amigos enquanto olhava um lago perdido nas montanhas, onde cheguei depois de percorrer a aridez de um sul vasto que me levou a esse lago. Sul, imensidão interminável que me navegou a caminho de um fim do mundo imaginário e de volta dele. Lembro a saudade de voltar ao sair do país, a alegria das várias reentradas nesta minha casa emprestada. Lembro ainda estes últimos dias, entre montanhas e vales, descobrindo o efeito dessa estranha droga chamada muita altitude e pouco oxigénio. Talvez seja ela que me tenha feito ver lagos de sal, montanhas muitas, profundos desfiladeiros, arco-íris de pedra, uma natureza vasta, estranha e de uma beleza difícil de descrever. Lembro em cada um destes lugares gente, muita, distinta, que viajará comigo aonde eu for. Mas o cheiro intenso faz-me despertar deste transe, a carne já está debaixo do meu nariz. Um último assado desce levado por vinho pela minha boca e esófago, para me deixar na despedida este gosto bom de estar aqui e me lembrar para sempre que tenho de voltar.

Salta, Argentina, Julho 2009












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