segunda-feira, 6 de abril de 2009

Ônibus

Acordo suado, empapado, com a boca seca e todo o corpo dormente, quase não sentindo nada da cintura para baixo. As pernas inchadas são o reflexo de muitas horas semi-sentado, enquanto percorro mais kilómetros de uma estrada sem fim, a caminho do Sul, do Carnaval desta vez. O autocarro dorme, roncando profundamente, talvez inebriado neste fedor baço que enche pelo menos a parte de trás, onde me encontro. Ainda assim o ronco do motor que sinto trabalhar debaixo de mim não é suficientemente alto para abafar o que sai de dentro desta metade de gente que ocupa o assento ao meu lado. Enrolado como um bebé, este quarto-de-dose consegue dormir sem parar há horas, confortavelmente deitado onde eu mal me sento. Um misto de ódio e vontade de ser pequenino invadem a minha pessoa. O impulso de o acordar por maldade não passa da intenção e a vontade de o atirar pela janela esbarra na inexistência da mais pequena abertura, por onde ele decerto caberia. Resolvo antes beber um pouco de água e deitar-me sobre o outro lado das minhas nádegas. Decerto existirá uma posição mais confortável. Pronto. Agora só falta ignorar o odor nauseabundo e a sopa que empapa a minha roupa para deixar o cansaço vencer o nojo que sinto da minha pessoa e voltar aos braços de Morfeu. Imagino-me um qualquer marinheiro da nau de Cabral, essa que chegou ao porto de onde saí há horas, seguro de que o que me espera ao fim da jornada compensará o desconforto da infindável viagem. Ao menos nesta nau o escorbuto fica-se pelo odor nefasto a podre e os ratos dormem enrolados, roncando como bebés...

BR101 algures entre Porto Seguro e o Rio de Janeiro, Brasil, Fevereiro 2009

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