segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Um amigo


Que vontade de ver o mar... Há já demasiado tempo que não o ouço, que não sinto o seu cheiro salgado, que não espremo a areia molhada nas minhas mãos, que não olho o seu horizonte flutuante. Nunca posso estar demasiado tempo longe do mar e já lá vai mais de um mês... Mas agora já quase que o sinto. Já deixei Valdivia há um bom bocado, esta relíquia rodoviária que me carrega ronca há bastante tempo, devemos estar a chegar à praia... Parou. Desço. Lá está ele. Paro na falésia envolto num cheiro intenso a maresia e ouço apenas as ondas que rebentam fortemente contra as muitas rochas desta praia, pequena baía recortada e, hoje, cinzenta. O vento sopra virilmente, trazendo pequenos salpicos que me refrescam o coração saudoso de Portugal. Desço até à areia. Um amigo vê-me ao longe, aproxima-se aos poucos, curioso, olhando-me, questionando-me, querendo saber quem sou eu, este que invade a sua paria deserta. Não me quer mal, nem tão pouco fora da praia, antes pára ao meu lado e olha o mar comigo. Ele também gosta de olhar e sentir o mar, de sentir a areia molhada, de estar aqui a ouvir Neptuno brincar com as rochas. Eis que passa um grupo de gaivotas, ele sai como louco, disparado, saltando, querendo alcança-las sem conseguir. Corro também com ele, porque não, afinal a praia é apenas nossa, vazia de gente mas cheia de mar. Paro, ele segue. Volta, chega-se ao pé de mim para mais uma vez me olhar e parar ao meu lado. E desta vez decido eu correr, saio disparado e ele segue-me, salta agora atrás de mim, para me alcançar com mais sucesso que às gaivotas, já que eu apenas voo nas asas do vento e das ondas. Paro, é hora de voltar. Ele pára também, olha para mim, eu para ele. Trocamos umas poucas palavras, volto-me, e começo a subir a rampa. Ele olha para mim, fita o mar, as gaivotas passam e ele sai a correr de novo... Subo. Um amigo, mais um que deixo no caminho, que fica na minha memória como eu na dele certamente. E seguiremos os nossos caminhos, cada um o seu, felizes por nos ter encontrado e mais ricos por termos vivido um breve instante juntos. Lá de cima olho uma última vez o mar e vejo-o na areia, feliz no seu reino, enquanto me olha uma última vez também, abanando o rabo. Era um cão e eu um homem, poderia ser ao contrário, mas que importa o que somos... O que importa foi que estivemos a olhar o mar, sem esperar nada um do outro, apenas aproveitando a praia, partilhando um momento juntos, simplesmente vivendo. E não era bom que fosse sempre assim? Temos muito a aprender com os animais...

Praia de Niebla - Valdivia, Chile, Junho 2009

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