quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Encontrei uma janela por onde o vento sopra poemas



Encontrei uma janela por onde o vento sopra poemas, trazidos do mar numa brisa salgada que me salpica de palavras. Desconheço de onde vêm, só sei que vêm, muitos, soprados desse longínquo mar, ainda que fronteiro, esse que nos trouxe a nós, povo Luso, para erguer aqui um dia esta janela por onde hoje os poemas entram ao ritmo de fortes rajadas e sonhos de aqui e de outrora. São simples poemas, sonhos de viagens, de longas jornadas caminhadas ou balançadas nas ondas que nos empurraram, que nos empurram, que me empurram a mim também e repetidamente me levam a outras paragens atraído pelo doce canto de uma curiosa sereia chamada viagem. Sentado neste forte, qual pescador, apenas abro as páginas ao vento para apanhar os poemas, prendê-los nesta rede de papel em letras que escrevo, que gatafunho muito rápido para os não perder, inutilmente, já que nem um batalhão de poetas os conseguiria agarra a todos, demasiados, voando por sobre a minha cabeça para se estatelar nas janelas das brancas casas que povoam este lugar, no azul dos barcos que uma e outra vez saem do porto para tão somente poder regressar, no canto imenso das gaivotas, nuvem em constante vai e vem nos céus desta terra que um dia deixámos aqui perdida para ser várias vezes encontrada, reencontrada, perdida de novo apenas na esperança de a poder reencontrar... Janela, por onde o vento sopra sonhos de uma interminável viagem, promessa de um mundo novo de sonhos, estranho néctar que me inebria e me faz adicto a este lugar de onde não consigo sair, preso às ruas que aos poucos me vão conhecendo, às gentes com quem me vou confundindo, às rochas onde o mar chega revolto, à baía onde o mar se faz calmo, ao sol que todos os dias se põe, como num outro qualquer lugar, mas que aqui uma e outra e outra vez me prende como ao primeiro ocaso, apaixonando na lenta carícia do sol que se afunda no mar, esse lugar-comum quase óbvio, repetitivo, banal até, mas que aqui se torna único cada dia, apaixonante, atormentadoramente belo. Encontrei uma janela por onde o vento sopra poemas, que não sei de onde vêm, nem para onde vão, mas também não me interessa, não quero saber, apenas abro as páginas, os olhos, o nariz, e respiro, respiro muito, deixando-me encher de um ar novo e sentindo na pele os dias que passam por mim, devagarinho, esquecido eu também, como esta velha janela, pendurado sobre este mar que contemplo preguiçoso à espera do dia que me leve de volta.

Um amigo

Vou fazer-te palavras, amigo, preencher de letras cada ruga do teu rosto, esse que olha o horizonte vago como um marinheiro de fito perdido nas marés, esperando infinitamente por um barco que chegue para te levar mas que nunca chegará. Vou fazer-te palavras, amigo, encher de conversas estes nossos silêncios, conversas sem fim em que as nossas palavras não se perderam na tradução que nunca existiu, em que te compreendi melhor que muitos que falam sem sentido, perdidos na ilusão de que enchendo o mundo de palavras preenchem o vazio que trazem consigo. Não, não foram precisos dicionários elaborados, tradutores letrados, ou uma qualquer estranha magia que nos fizesse entender o ininteligível e aprender num segundo o que muitos não aprendem numa vida inteira. Não, não foram precisas palavras para te entender, apenas um sorriso encoberto, esse que trazes contigo, amigo, esse que mostras a poucos, mas que mostras com o coração, esse mesmo coração que repetidamente tocas com a tua mão trabalhada pelo tempo, pela vida que claramente te foi dura, que dura e sobrevive espelhada no sorriso sem fim que nos ofereces sem nada esperar mais que um simples abraço amigo, como tu, que levo daqui na lembrança desta terra que és tu também, memória deste estranho país que se me vai entranhar mais do que penso, desta terra que sei que vou recordar quando me perder por outros caminhos e sentir falta de uma casa, amigo, esta que tenho aqui também porque te encontrei a ti. Vou fazer-te palavras, amigo, ainda que elas não tenham feito falta para que hoje te possa chamar assim, de amigo.

(em homenagem ao Ahmed, incansável porteiro do Hostel El Pacha, pessoa simples, melhor cozinheiro de Essaouira, e acima de tudo um amigo)



Essaouira, Marrocos, Novembro/Dezembro 2010































1 comentário:

helena disse...

Fotografias maravilhosas! Tens talento. Pensa nisso...