segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Duna


Parado. Finalmente parado. Vivo numa duna, dentro da sua areia branca ora soprada pelo ar ora empurrada, molhada por este mar das ondas constantes e fortes, não demasiadas, antes perfeitas. Caranguejo, escavo o meu caminho em direcção ao mar, onde mergulho o meu corpo para depois o deixar flutuar leve, sem peso, envolto numa frescura que contraria o sol que insiste em me aquecer, felizmente. Tenho os olhos fechados. A escuridão avermelhada que vejo é tão cheia de luz que fere, alucinando-me o sangue fervido pelo sol e pelo caminho percorrido nos últimos nove meses. Mergulho a audição para escutar o mar e ele segreda-me baixinho as conchas que vão e vêm, o subir e descer da maré e das ondas, o mergulho espaçado de pescadores com asas que fainam incessantemente, como se amanhã não houvesse mundo. Segreda-me todo o seu fundo baixinho, como se fosse eu mesmo um peixe mais, um velho amigo que volta depois de muito tempo. E sou. Se dúvidas tivesse perco-as ao abrir os olhos e ver um velho lobo marinho que flutua, nadando ao meu lado, olhando-me, acompanhando-me neste momento. Tímido, ao ver que me apercebi da sua presença pisca-me o olho e mergulha, vai, sai por esse mar fora. Perco-o nas ondas, não importa. Antes fico aqui, esquecido, olhando o sol que quer ele também fazer parte deste mar e se afunda nele devagarinho, enquanto o meu corpo se afunda também, na duna, de novo. Os olhos fechados ouvem ao longe o mar que me embala o sono. Sei que estou no paraíso. Respiro-o devagarinho, uma e outra vez, sem pressa nenhuma de o respirar todo de uma vez. Não há pressa de nada, vivo numa duna, parado, preso na liberdade de viver o paraíso.

Vichayito - Mancora, Peru, Outubro 2009





2 comentários:

um certo olhar disse...

Fantástico!

A. disse...

Olá Luís.

De certo não me conheces, o meu nome é Adriano e tropecei no teu blog, ao ler uma notícia do ionline.pt de hoje. Acho que é preciso ter muita coragem para fazer o que fizeste e deve ser um passo muito difícil de dar, mas depois de dado deve nos mostrar um mundo completamente diferente: o nosso! :)

Eu sou daquelas pessoas que diz sempre "vou sair do país, um dia vou-me embora..." mas que ainda não deu o passo.

Ler as tuas aventuras e ver as fotografias que mostras dá-me vontade de ir também "à minha vida"... que deve estar por aí algures.

Continua com a tua aventura, e fica sabendo que tens cá malta a dar força!

Porque quando voltares, serás outro: serás mais tu.

abraço, e vai mostrando os locais por onde passas,

Adriano.