sábado, 11 de julho de 2009

Estreito


Olho o estreito. Imagino Magalhães com as suas barbas esvoaçando ao ritmo do forte vento daqui enquanto ele o contemplava, como eu agora, com um olhar curioso, com o olhar curioso dos Portugueses de então que zarpavam mundo fora. Em busca de quê? Fortuna? Fama? Superação pura e simples? Acho que simplesmente iam porque tinham que ir. Magalhães veio porque teve uma visão, porque o seu instinto lhe disse que viesse. Tanto que se recusou a desistir quando em Portugal lhe fecharam as portas, antes buscando alternativas, batendo à porta dos nossos vizinhos. Veio porque tinha de vir, não se importando de errar, consciente que errar é parte da vida, viver. E veio para todo o sempre dar o seu nome ao mundo, hoje falado de tão diversas formas e com pronuncias diversas dessa correcta do nosso complicado Português, cheio de ães, ãos e ões que narizes não lusófonos têm dificuldade de repetir. Teve de ser muita a vontade, porque se hoje custa estar aqui a olhar o estreito ao frio, dentro de quentes roupas de sintéticos tecidos que não existiam, a escassos metros de um quente café e confortos mil... Imagino quanto não custou nessa época, com anos passados num barco pequeno demais para o que trazia dentro e para a imensidão do mar lá fora, encontros em terras estranhas, distantes, com climas, pessoas, animais e plantas desconhecidas. A morte a única certeza, a glória uma mera e distante hipótese. Mas vinham, ele, outros, tantos, descobrindo um mundo que sempre existiu e que ligaram ao resto. Olho o agreste estreito e pergunto-me onde toda essa coragem dos Portugueses de então foi parar... Não a coragem de conquistar terras, essa não interessa, mas sim a coragem de conquistar outros mundos, o dos seus medos, de quebrar barreiras, de vencer a inércia e lutar por sonhos. Olho o estreito e não vejo essa coragem, mas vejo Magalhães e a sua coragem dá-me vontade de ser como ele. Olho o estreito, e como é lindo...

Punta Arenas, Chile, Maio 2009






sexta-feira, 3 de julho de 2009

Eis o fim do Mundo!

Os céus não se abrem, nem deles caem chamas flamejantes. Também não há dragões cuspindo o fogo que Magalhães viu um dia ao longe. O infinito não se abre em fundas fendas e crateras para nos engolir, nem ecoam estridentes trombetas nos céus para nos avisar que o nosso dia chegou. Muito menos vejo pessoas a correr apavoradas, espavoridas, perdidas ou achadas. Do céu pequenos flocos brancos é o pouco que cai, e os brancos dragões que há debicam desinteressadamente as águas. O fogo, há muito extinto pela cobiça dos conquistadores, fica apenas no nome desta terra e na memória dos indígenas que um dia aqui viveram. Em vez de fundas crateras há enormes montanhas que se elevam no ar, fazendo-nos pequeninos, engolidos na sua beleza. E o ruído calmo da terra que gira sobre si mesma e em redor do sol é tudo menos ensurdecedor. Os meus passos calmos, seguindo os dos que me rodeiam, mostram-me que o Apocalipse não é agora, ou talvez apenas que o fim do Mundo afinal não é feio mas deslumbrante. Mas, pelo sim pelo não, pego em mim, dou meia volta e continuo. Pode até ser o fim do Mundo, mas não é ainda o fim da minha viagem. Há muito chão para andar, é só dar meia volta e seguir.

Ushuaia, Tierra del Fuego, Argentina, Abril 2009